Temos bons dramaturgos habitando regularmente os teatros dos circuitos alternativos ou dos mais compromissados comercialmente. Um exemplo disso é a presença maciça de 10 autores conhecidos ( e reconhecidos) num espetáculo sugestivo já a partir do título, “Te Amo, São Paulo”, cartaz dos fins de semana no Teatro Folha. Este espaço conta com o apoio publicitário da empresa que lhe dá o nome. Resultado: a sala vive lotada e as temporadas são, com freqüência, prolongadas. Mas este caso é exceção: a maioria absoluta dos grupos e cias costuma ter dificuldade em divulgar na grande imprensa, falada ou escrita.
Assim, recentemente, bons espetáculos de autores novos (Camila Appel de “A Pantera”) ou um bissexto Hugo Possolo com “A Meia Hora de Abelardo” tiveram temporadas semi-anônimas, muito aquém do resultado artístico, pela mais absoluta impossibilidade de investimento publicitário. Resultado: autores talentosos, que no tempo dos “tijolinhos” dos jornais eram logo consagrados ficam patinando indefinidamente (salvo raros deles) no limbo dos “sem sem”(sem anúncio e sem chance).
Entenda, assim, porque tal circunstância nos faz apresentar a vocês, como novíssimo, um talento em plena maturação há mais de 10 anos: LEONARDO CORTEZ, que tem seus adeptos entre programadores culturais (SESI, SESC, CCSP), na classe teatral e continua injustamente preterido por setores da crítica teatral. Porém, pelo que se depreende do seu currículo, amado por onde passa com seus espetáculos.
“RUA DO MEDO” CATIVA PELO HUMOR FURIOSO
O que impressiona de pronto nesta farsa irresponsável à maneira do Nelson Rodrigues de “Viúva, porém Honesta”, é o domínio de Cortez da zombaria que seus descompassados personagens da classe média inspiram. Esse cartaz da pequena e simpática sala Paulo Emilio Sales Gomes, do Centro Cultural São Paulo ( ameaçada de morte iminente pelos descaminhos do poder público), faz jus aos méritos dos textos anteriores, “O Crápula Redimido”, “Escombros” e “O Rei dos Urubus”, que despertaram nosso respeito à pena de Leonardo Cortez.
Em 2003, com “O Crápula Redimido” (que vimos mais recentemente), o autor focou o mundo empresarial do ponto (torto) de vista do chefe supremo de todas as safadezas costumeiras em tal universo. Tinha uma vantagem adicional: Leonardo dirigindo e assumindo o protagonismo da peça com sua verve peculiaríssima para despertar o riso e também a repulsa simultânea do espectador.
“Escombros” serviu-nos como introdução ao mundo nada encantado de Cortez. Uma família desmorona literalmente à nossa frente, numa sátira ao mercado de trabalho e às suas regras implacáveis de exclusão. Um clima saturado pelo absurdo de Ionesco disfarçava o riso involuntário.
Já “O Rei dos Urubus” (2008) desvendou os bastidores sórdidos de um programa de televisão, com um furor de indignação bem a propósito. A ética dominava o verbo corteziano.
ESSES CONDÔMINOS!...
De uma corriqueira reunião de condôminos de uma rua “fechada” ( o que já começa por ser ilegal) o autor atrita em cena tipos hilários à beira do ridículo que deixam porejar a cada pensamento, palavra ou ação. Tudo para garantirem a própria sobrevivência no inóspito lugar. Dispensável sobrevivência, aliás, pelos baixos ou nulos valores éticos que carregam.
Os diálogos ágeis e cortantes estão a serviço de uma narrativa sem floreios literários, embora carregados de seiva humana. Característica que une involuntariamente o autor paulista ao universo carioca do pernambucano Nelson Rodrigues.
Mas muito contribui para o êxito da encenação a presença do diretor Marcelo Lazzaratto, formado ator também ao lado de Leonardo, pela ECA-USP. Sem maneirismos estéticos ególatras, Lazzaratto costuma experimentar com o mais absoluto respeito pelo público, o que, sabemos, é pouco praticado por estas sofridas bandas. Sua direção neste “Rua do Medo” prioriza o trabalho dos atores da Cia. Dos Gansos, todos agindo com deliciosa cumplicidade do jogo cênico: Glaucia Libertini, Kiko Bertholini, Daniel Dottori, Mariana Loureiro, Djair Guilherme e o próprio Leonardo como o tão sonhador quanto desajustado Capitão Tobias. Todos compõem seus tipos com histrionismo bem controlado, tornando-os verossímeis, humanos, fazendo-nos torcer para que ninguém realmente “saia mal”, salvação que vem – para todos? – na figura de Danielle De Donato, uma empregada sonsa, mas nem tanto...
Não deixem de conhecer Leonardo Cortez neste seu “Rua do Medo”, cujos textos fazem-no digno sucessor da extensa linhagem de seculares comediógrafos, desde Martins Penna. E do humor subjacente de nosso autor maior, Nelson Rodrigues, tão cultuado pelo encenador Antunes Filho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário