O autor, o prolífico dramaturgo Leonardo Cortez, escreveu nos últimos sete anos cinco peças -três delas formam a "Trilogia Canalha", um núcleo de textos focado nos baixos padrões éticos dos brasileiros. Agora, se o lema principal da fábula é a insegurança pública, o tom tragicômico só vinga porque a encenação revela as entranhas de nossa corrosão ética.
Em uma situação dramática bem simples -uma reunião de moradores, interessados em aumentar seu aparato de segurança-, engendra-se uma sequência de ações que acabam gerando uma morte e desvendando as podridões dos personagens. Mesmo assim, prevalece o riso em meio a um olhar entre complacente e impiedoso às fragilidades humanas.
A encenação de Marcelo Lazzaratto inaugura uma nova fase na Cia. dos Gansos, quando um olhar de fora dialoga com o dramaturgo e ator protagonista. Ele limpa a cena de adereços e cenário naturalistas, dando espaço ao texto de Cortez e ao jogo dos atores com os personagens.
A cena que melhor realiza essa estratégia é a da apresentação pelo personagem do Capitão Tobias, dono de uma empresa de segurança, de um vídeo promocional. Os espectadores não veem nada e só ouvem o jingle comercial. É suficiente para combinar humor de primeira e economia de meios com eficácia.
Os atores trabalham na linha tênue que separa o caricatural do realismo. Nessa corda bamba todos se salvam, oscilando entre assumirem a natureza caricatural das criaturas que encarnam e acomodarem-se em um registro natural. Talvez essa oscilação reflita o próprio texto em sua ambição de pôr o dedo na ferida e divertir.
Criticar os hábitos e as fraquezas do seu tempo é a vocação da comédia. No caso desta dramaturgia, singular em meio à atual avalanche de humor rasteiro e aos projetos críticos que não se permitem a vera comicidade, é certo que honra a melhor tradição dos comediógrafos brasileiros. Despretensiosa no tema, mas aguda no teor crítico que alcança.
A Cia. dos Gansos, assumindo o projeto da sátira social implacável, tem muito ainda a oferecer, tanto quanto o talento de Cortez como poeta dramático.
Luis Fernando Ramos
(Crítico da Folha de SP)
(Crítico da Folha de SP)
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