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segunda-feira, 11 de maio de 2009

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Reflexão: A promiscuidade nossa de cada dia

A Companhia dos Gansos (http://ciadosgansos.blogspot.com/) está apresentando, em diversas cidades do interior de SP, no projeto Viagem Teatral do SESI, a peça O Rei dos Urubus. Escrita por Leonardo Cortez e dirigida por Marcelo Lazzaratto, esta tragicomédia, como é chamada pelos atores, possibilita importantes reflexões a respeito do nosso mundo contemporâneo e das relações que nele vivemos.

A peça enfoca os bastidores de uma emissora de TV, responsável por programas sensacionalistas, nos quais o único valor cultivado é o índice de audiência, que determina o investimento dos anunciantes na emissora. As relações entre os profissionais de mídia, na peça como provavelmente na vida, são totalmente pautadas pela competição, pela vaidade, pela hipocrisia e pela ausência absoluta de ética. Os fatos que se transformam em programas de TV, abordando celebridades e destruindo seres humanos, são criações fictícias narradas a partir de acontecimentos reais. Lembramos, então, do seqüestro e assassinato de Eloá, em outubro/2008, tragédia que a mídia não somente registrou, mas, quem sabe, ajudou a patrocinar.

A discussão sobre o papel da imprensa ou, mais exatamente, da mídia televisiva no Brasil, é algo sempre necessário e urgente, visto que, sem perceber, vamos consumindo e aprendendo a desejar os produtos, as idéias e as emoções que nos são vendidas através das propagandas e dos programas. Pergunto-me, neste momento, até que ponto e em que nível a promiscuidade das relações entre os políticos ou entre os profissionais da mídia - ambos nos chamam mais a atenção -, refletem, de alguma forma, a “promiscuidade nossa de cada dia”.  

Será que também olhamos e interagimos com o mundo a partir da lógica perversa na qual estamos inseridos? Por exemplo, em geral as pessoas vão mais ao teatro quando há uma celebridade no palco; em geral, as pessoas que gostam de livros compram os livros que são mais lidos e divulgados, classificados naquelas listinhas publicadas nos jornais de domingo; em geral, as pessoas criticam muito a televisão, mas não ficam um só dia sem ela. E se eu continuar generalizando as situações e as pessoas, com certeza serei vítima e vilã do mesmo olhar capitalista que estou questionando.

Entendo que o questionamento pode se constituir num exercício diário, contínuo e prazeroso, aberto e compartilhado, buscando criar certa resistência ao senso comum, dominado pelos números, pela quantidade, pelas medidas e pelo lucro a todo custo.

Os efeitos nefastos dessa ótica de vida são diversos, dentre eles o adoecimento físico e mental, regulado pela necessidade que temos de atender às demandas dos “superlativos”: temos que ser “o melhor dos melhores”, de preferência em tudo; precisamos aprender a “superar nossos limites”; cobramos de nossos filhos que sejam  alunos “Nota 10”; procuramos meninos que “brilhem” no futebol; ensinamos às meninas que a “beleza é tudo”, elogiando-as quando desfilam e usam saltos, apenas com 3 anos de idade...

Alguém poderia me interpelar, afirmando que não há problema algum nessas “crenças” - ou imperativos sociais. Convido a todos para que se perguntem: será que não há mesmo? Será que esses valores não estão “naturalizados” em demasia, possibilitando que sejamos passivos? Qual o preço que estamos pagando por cultivá-los em nossas vidas e em nossas relações?

 

 Andrea R. Martins Corrêa