Saí siderado da peça "O Rei dos Urubus" do dramaturgo e ator Leo Cortez que está sendo representada no Centro Cultural São Paulo.
A força dramática e a eficiência dramatúrgica do texto inusitado que descreve os bastidores, às vezes o próprio set televisivo em pleno ar ao vivo de um canal jornalístico de televisão em que os os protagonistas e os coadjuvantes ( se é que os há) são os próprios jornalistas imersos em sua paixão doentia comum: a do sucesso de audiência, os altos índices que perseguem numa verdadeira "briga de foice de elevador" (para reciclar uma expressão antiga). A verdadeira carnificina psicológica e verbal que eles empreendem no dia a dia de sua atividade em torno de um programa de cunho jornalístico sensacionalista sobre personagens reais de dramas do momento, sempre histórias patéticas de paixões clandestinas testemunhadas por personagens humildes, logo acuados, ameaçados pelos protagonistas do escândalo por um lado e pela verdadeira chantagem dos jornalistas por outro. Paralelamente os jornalistas duelam entre si nos bastidores do programa e às vezes no próprio programa em pleno ar, numa verdadeira meta-linguagem teatral, pela liderança do programa e o "prestígio" decorrente dessa posição na hierarquia jornalística, sempre abaixo, na verdade, de um poderoso chefão da empresa, a palavra final e o verdadeiro cérebro demoníaco por trás de tudo isso, e que no entanto não aparece senão por referência e citações, pois representa, no fundo, a propria idéia das força diabólica invisível e inacessível que manipula os cordéis da nossa sociedade. O personagem representado pelo ator e dramaturgo autor da peça, Leo Cortez, se sobressai pela pujança de sua atuação, na expressividade neurótica vociferante e gesticulante (na medida certa numa grande atuação). Ele nos faz recordar o ator Jack Nicholson em seus melhores momentos de personagens neuróticos. Faz lembrar também certos personagens de Nelson Rodrigues a quem aliás o dramaturgo Leo deve alguma coisa, no mínimo pela admiração que sua geração tem pelo genial Shakeaspeare tupiniquim, grande mestre da chamada carpintaria teatral, que aliás Leo Cortez maneja com surpreendente maturidade, embora seja autor jovem.
Como eu dizia, Leo Cortez como ator é hipnótico, não deixa nosso olhar desviar-se de sua atuação sarcástica e corrosiva, cheia de nuances que vão da vociferação paroxística aos trejeitos sutis da exaustão de si próprio. Também o ator Daniel Dottori que faz o sobrinho do chefão que aliás se revela ao final o verdadeiro "rei dos urubús", pois o personagem Robério encarnado pelo autor Leo passa surpreendentemente ao papel de vítima, morrendo no palco em plena apoplexia ( boa palavra antiga para o nossos atuais enfarte ou derrame).
Também devo ressaltar a atuação da única atriz na peça, Glaucia Libertini, que faz a jornalista apresentadora do nefasto programa, e que vestida com o característico mau gosto dessas peruas televisivas, está perfeita na sua desfaçatez e no seu "à vontade frente às cameras", mas que trai sua fragilidade ou vulnerabilidade nos bastidores dominados pelas feras masculinas, mais cínicas que ela, a diva do programa.
Quero pois parabenizar o diretor Marcelo Lazzaratto, os excelentes atores, e saudar Leo Cortez, esse excelente autor jovem do nosso teatro paulistano, que à frente de sua "Companhia dos Gansos" veio para ficar com seus textos de crítica social ácida, embora humorística, que como na sua fantástica peça anterior reduz a "Escombros" a edificação das construções burguesas sobre a areia de suas mentiras, preconceitos e veleidades.
GUILHERME DE FARIA
(Guilherme de Faria é artista plástico, escritor e poeta cordelista. Como editor lançou pelas suas artesanais Edições do Pavão Misterioso", prefaciou e ilustrou a poetisa gaúcha Alma Welt (vide Contos da Alma, editora Palavra&Gestos), na Livraria da Vila (da Alameda Lorena ) , na Livraria Cultura e no IMS (Instituto Moreira Salles).
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