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segunda-feira, 20 de abril de 2009

O RESUMO DE UMA CONVERSA POR E-MAIL COM O GUI, QUE EU ACHO QUE ESCLARECE ALGUMAS COISAS:

De cara, eu digo que a Cia dos Gansos é um grupo que se propõe a fazer teatro calcado no prazer da criação e da comunhão artística. Obviamente isso não significa repetição de fórmulas ou preguiça na hora de botar a mão na massa ou encarar um desafio. Acredito honestamente que cada montagem do nosso grupo representou um degrau a mais no nosso crescimento artístico em função dos desafios lançados à nós mesmos, que acredito, foram vencidos de forma exemplar em cada uma das peças. Em “Mumu, A Vaca Metafísica”, de 2000, pesquisamos e incorporamos no espetáculo artifícios que tornaram um texto datado numa montagem criativa e vibrante. Em “Crápula Redimido”, de 2003, cortamos o cordão umbilical que nos unia à universidade, conseguindo montar um espetáculo com os nossos próprios e parcos recursos materiais e artísticos . O “Crápula” refletiu com muita honestidade o momento artístico dos integrantes da Cia dos Gansos e por isso reconheço que foi uma montagem um tanto imatura, mas fundamentalmente honesta e coerente com o discurso e as idéias defendidas no texto. Em “In Memorian”, de 2004, o desafio foi estar só em cena. Não gosto tanto desse meu texto e acredito que a direção do Fred deixou tudo muito mais palatável, o que muito agradeço a ele. Com “Escombros”, atingimos um nível bem bacana no que diz respeito aos aspectos artísticos e criativos: nos propusemos a realizar um trabalho de ator com a Juliana Jardim e com o Fred Foroni que resultou em muito elogio pra todos nós, modestamente falando. Acho que a partir desse texto, minha dramaturgia evoluiu à beça, bem como a afinação do discurso entre os integrantes da Cia dos Gansos. Agora temos em cena "O Rei dos Urubus", que na minha opinião sedimenta a proposta da nossa companhia: o esforço de realizar um teatro popular, que cutuque as feridas abertas da nossa sociedade, num pretexto à reflexão e à comunhão efetiva com a platéia.
A Cia dos Gansos montou ao longo desses anos, textos ligados à realidade social brasileira, que versam sobre as aflições do homem contemporâneo, tendo o humor como ferramenta de aproximação do público. A Cia dos Gansos está momentaneamente a serviço da minha dramaturgia, mas podemos montar qualquer outro autor desde que ele venha ao encontro das nossas inquietações como artistas. A Cia dos Gansos é um grupo de atores. O trabalho do ator sempre será o foco principal quando estivermos num processo de montagem. Por isso, as encenações da Cia se caracterizam pela simplicidade estética e pelo vigor na interpretação. A comunhão, o jogo e o olho no olho são buscas perpétuas durante ensaios e temporadas. Com "O Rei dos Urubus" inauguramos uma nova sistemática de trabalho que espero que possa ser a característica dos nossos trabalhos futuros: a incorporação de um diretor de fora, com novas visões e experiências que alargam o nosso pensamento e a nossa possibilidade de desenvolvimento artistico.
Sempre que proponho algo para o grupo procuro ter em mente as respostas para as duas questões fundamentais que devem orientar a nossa caminhada em comum: Por que faço teatro e por que faço essa peça. Em relação à primeira pergunta, já versei anteriormente sobre tudo o que me atrai no teatro: a perspectiva da comunhão e do crescimento artístico, o discurso consciente, a convicção de que o que estamos falando é importante pra quem ta assistindo e etc. Acho que "O Rei dos Urubus" atinge todos esses objetivos. Trata-se de uma tragicomédia que versa sobre a miséria espiritual que padece boa parte da humanidade. Que versa sobre a miséria de quem explora a miséria alheia e nem por isso deixa de ser miserável. Temos em cena personagens cujas personalidades foram esmagadas por imposições do sistema e que se apóiam em mesquinhos jogos de poder na tentativa desesperada de auto-afirmação. A Denise Stoklos falou, em outras palavras, sobre a função do ator dentro de um espetáculo teatral: a suprema generosidade de sofrer pelo espectador as dores que ele não precisará sofrer quando sair do teatro, porque ele irá se afastar ou enfrentar essas dores quando se reconhecer na cena. Acho que "O Rei dos Urubus" cumpre essa função. Acredito piamente na importância e pertinência da sua mensagem nos dias de hoje e finalmente, acho que é um trabalho que se revela um ótimo pretexto pra que os integrantes da Cia dêem muita risada enquanto trabalham.
Alias, isso sempre acontece, diga-se de passagem.

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